Breve introdução ao Direito do Trabalho alemão: artigo 611a do BGB e direitos do empregado

* por Leonardo Stocker Pereira da Cunha, doutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro(UERJ) [1].

Imagem: Freepik

Introdução

Conforme dados de 2018, na Alemanha, 44.06 milhões de pessoas são economicamente ativas, o que representa 53% da população daquele país (83.02 milhões). Da população economicamente ativa, aproximadamente 90% (40.40 milhões) são trabalhadores empregados, sendo o restante (aproximadamente 10%) funcionários públicos ou trabalhadores autônomos [2]. Com efeito, segundo Peter Schüren, o Direito do Trabalho cria uma estrutura jurídica, moldando possibilidades de utilização do fator de produção “trabalho” e impactando nas condições de vida da força de trabalho [3].

Tal estrutura jurídica é exatamente o fio condutor do presente estudo, o qual, sem pretender esgotar o tema, objetivará trazer uma pequena introdução ao leitor sobre o Direito do Trabalho alemão, (1) analisando o novel artigo 611a do Código Civil alemão, que tipificou o contrato de trabalho subordinado; bem como (2) apontando as cláusulas previstas no contrato de trabalho subordinado e os direitos protetivos, que nelas constam, em favor dos empregados, que estão protegidos pela legislação trabalhista alemã.

1. A previsão do contrato de trabalho subordinado no Código Civil alemão

Na Alemanha, não há Código (ou Consolidação) Trabalhista. O Direito do Trabalho é bastante fragmentado em decretos legislativos e leis federais, inclusive com recente menção ao contrato de trabalho no Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão), mais especificamente no seu Art. 611a.

A inclusão, no Bürgerliches Gesetzbuch, do artigo em questão se deu em 01.04.2017. É a primeira vez que o contrato de trabalho é legalmente regulamentado como um tipo de contrato próprio (típico). Ao introduzi-lo, o legislador optou por não padronizar situações jurídicas, mas, ao invés disso, completar “um cânone dos tipos de contrato”. Ao fazer isso, ele decidiu lançar os princípios orientadores de precedentes das mais altas cortes alemãs, na forma legal. Apesar de críticas de boa parte da doutrina alemã, o ponto de partida para avaliar a posição de empregado é agora o art. 611a, do BGB [4]. Assim, para reconhecimento de vínculo empregatício, na forma do BGB, é necessário um trabalho heterônomo [5], em dependência pessoal, pelo qual o direito de emitir instruções/ordens pode abranger o conteúdo, execução, tempo e local da atividade [6].

O primeiro parágrafo do art. 611a estipula, em sua primeira frase, que o contrato de trabalho obriga o funcionário a serviço para outra pessoa, executando um trabalho determinado externamente em dependência pessoal. Ainda, de acordo com a segunda frase, o direito de emitir instruções está relacionado ao conteúdo, implementação (execução), hora e local da atividade. A terceira frase do primeiro parágrafo do art. 611a reitera a conclusão do art. 84, parágrafo 1º do Handelsgesetzbuch (Código Comercial alemão): aqueles que não são essencialmente livres para organizar seu trabalho e determinar seu horário de trabalho estão sujeitos a instruções. A quarta frase do primeiro parágrafo do art. 611a do BGB acrescenta que o grau de dependência pessoal também depende da natureza (característica) da respectiva atividade. Ainda, a quinta frase afirma que, para determinar se existe um contrato de trabalho, é necessária uma visão geral de todas as circunstâncias; e a última frase traz um princípio bem conhecido do Direito do Trabalho brasileiro: se a execução real da relação contratual demonstrar que há uma relação de emprego, o nome do contrato é irrelevante. Por fim, o segundo parágrafo do art. 611a do BGB determina que o empregador é obrigado a pagar a remuneração acordada.

2. Análise das cláusulas do contrato de trabalho subordinado alemão

Diferentemente da legislação brasileira, as condições do contrato de trabalho alemão podem ser formalizadas por escrito em até um mês após o início do trabalho. Portanto, a legislação alemã, por meio da Lei de comprovação das condições essenciais aplicáveis ​​a uma relação de trabalho (NachweisGesetz), exige que os empregadores registrem os termos essenciais do contrato de trabalho em até um mês após o início do vínculo empregatício, para aqueles contratos de duração superior a um mês. Não é possível comprovar os termos essenciais do contrato via documento eletrônico. Os termos essenciais do contrato estão previstos na NachweisGesetz, em seu artigo 2º. São eles:

– Nome e endereço das partes contratantes;

– Data de início do contrato de trabalho;

– Para um contrato por prazo determinado, a duração planejada;

– Local de trabalho (se o trabalhador não trabalhar em um local específico, uma indicação de que o trabalhador poderá trabalhar em locais diferentes);

– Descrição das funções;

– Composição e nível de remuneração, incluindo complementos (Zuschlägen), bônus (Zulagen), prêmios (Prämien), pagamentos excepcionais (Sonderzahlungen) e outros componentes do pagamento e sua data de vencimento;

– Jornada de trabalho acordada;

– Duração das férias anuais;

– Termos para o término da relação de trabalho;

– Referência geral aos acordos coletivos ou negociações coletivas aplicáveis à relação de trabalho;

As férias anuais são reguladas pela Lei sobre férias mínimas para trabalhadores (BundesUrlaubGesetz), no qual há exigência de, ao menos, 24 dias úteis por ano. Dias úteis são aqueles dias corridos, que não são domingos ou feriados. A jornada de trabalho é regulamentada pela Lei sobre o tempo de trabalho (Arbeitszeitgesetz): a jornada de trabalho diária é de oito horas, podendo ser estendida para dez horas diárias, desde que, dentro de seis meses ou vinte e quatro semanas, a média de oito horas por dia não seja excedida. Há, ainda, a possibilidade de negociação por meio de acordos e convenções coletivas. O intervalo intrajornada mínimo é de 30 minutos para uma jornada de trabalho de seis a nove horas; e de 45 minutos para uma jornada de trabalho de mais de nove horas. Os trabalhadores devem ter intervalo intrajornada em jornadas superiores a seis horas.

Na Alemanha, existe um instituto de proteção contra a dispensa (prevista na Kündigungsschutzzgesetz), restringindo as hipóteses de dispensa imotivada por parte do empregador. Objetiva proteger os trabalhadores, acima de tudo, de dispensas socialmente injustificadas. Não significa, como muitos pensam, que o empregado não possa ser dispensado, mas apenas restringe a dispensa imotivada pelo empregador.

O término da relação de emprego será considerado inválido se for socialmente injustificado (§ 1). Por socialmente justificada, entende-se a dispensa quando ela (a) for motivada na pessoa ou na conduta do trabalhador ou (b) por necessidades operacionais urgentes da empresa, que impeçam a continuação do emprego deste trabalhador. Se o trabalhador considerar injustificada a dispensa realizada, poderá ajuizar uma ação trabalhista, em até três semanas da comunicação da dispensa.

Considerações finais

Como ressaltado, as breves noções sobre o Direito do Trabalho alemão não são aqui esgotadas. Há muito para analisar, em especial novos institutos, que são parcial ou totalmente desconhecidos por nós. Cite-se, como exemplo, a figura do quase-empregado (Arbeitnehmerähnliche Person) e da cogestão empresarial (Mitbestimmung).

Nesse sentido, o presente artigo não deixa de ser um estudo de direito comparado. Nas palavras de Zweigert e Kötz, “se a ciência jurídica é entendida não apenas como ciência da interpretação relacionada às leis, princípios e regras, mas também à exploração de modelos para prevenção e resolução de conflitos sociais, fica claro que o direito comparado (Rechtsvergleichung) como método possui uma gama mais ampla de modelos de solução do que uma ciência jurídica nacional introvertida” [7].

Faz-se necessária, portanto, a utilização do direito comparado, para que sejam apresentadas novas soluções, que o operador jurídico, por estar limitado ao seu próprio sistema jurídico, não vislumbra. In casu, interessante analisar como o legislador alemão utiliza do código civil alemão para tratar do contrato de trabalho subordinado, demonstrando uma conexão (ou sobreposição) entre ambas as áreas do Direito (direito privado e laboral). Da mesma forma, (a) interessante vislumbrar a formação do contrato de trabalho subordinado alemão, com a possibilidade de registro das condições essenciais do negócio jurídico, após a sua celebração; e (b) a utilização de um dos muitos mecanismos à disposição das partes contratantes: o instituto da proteção contra a dispensa. Desse estudo de direito comparado, emergem inúmeras questões, dentre elas a possibilidade de utilização – tal qual previsto no artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal – do instituto da proteção contra a dispensa, em nosso ordenamento jurídico.

Notas

[1] Correio eletrônico: leonardospcunha@gmail.com
[2] SCHÜREN, Peter. Grundzüge ArbeitsR WS 19/20. p.7
[3] Ibidem. p.7
[4] FRANCKEN, Johannes Peter; NOTHELFER, Nepomuk; SCHLOTTHAUER, Philipp. Der Arbeitnehmer im professionellen eSport. In: NZA (Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht) 13/2019. 10 juli 2019. 36 Jahrgang. C.H.Beck. p. 865-870. p. 867.
[5] Interessante a distinção entre trabalho heterônomo versus autônomo. No Brasil, é utilizado apenas o conceito de trabalho subordinado, ao invés de heterônomo.
[6] FRANCKEN, Johannes Peter; NOTHELFER, Nepomuk; SCHLOTTHAUER, Philipp. Op.cit. p. 865-870. p. 867.
[7] ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein. Einführung in die Rechtsvergleichung. 3ed. Tübingen: Mohr, 1996. p. 14.

Referências bibliográficas

FRANCKEN, Johannes Peter; NOTHELFER, Nepomuk; SCHLOTTHAUER, Philipp. Der Arbeitnehmer im professionellen eSport. In: NZA (Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht) 13/2019. 10 juli 2019. 36 Jahrgang. C.H.Beck.


SCHÜREN, Peter. Grundzüge ArbeitsR WS 19/20.

ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein. Einführung in die Rechtsvergleichung. 3ed. Tübingen: Mohr, 1996.

Autor: UERJ Labuta

O UERJ Labuta é um Grupo de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Direito da UERJ - Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. O conteúdo dos artigos publicados possui caráter acadêmico-informativo e reflete exclusivamente a opinião de seu(s) respectivo(s) autor(es).

3 pensamentos

    1. Prezado leitor, no sistema jurídico alemão, há previsão de férias (a princípio 25 dias úteis – fixado em legislação infraconstitucional), mas não há previsão para 13o salário (contudo, muitas empresas alemãs pagam 13o salário [e ainda 14o salário…]) e tampouco previsão de FGTS (ainda que existam outros institutos como o seguro desemprego [arbeislos versicherung] e o dinheiro de falência [insolvenz geld]).

      Lembrando que são sistemas jurídicos bem distintos (brasileiro e alemão) em um contexto social nada semelhante. Como bem dizem os comparativistas, para qualquer transplante jurídico, é importante levar em consideração o contexto social do país, cujo direito é comparado!

      Caso você queira mais detalhes, pode enviar um email para nós ou para o autor do artigo!

      Att., Equipe Labuta/UERJ

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  1. A mim dizem-me só tenho direito a 21 dias e os fins semana também contam tudo que é acima disso já estão a descontar-me o dinheiro não sei como a justiça não é igual para todos

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