* por João Renda Leal Fernandes, juiz do trabalho no TRT/RJ

Paralelamente à afirmação e consolidação do Direito do Trabalho no Brasil, foi sendo desenvolvido um ramo do Poder Judiciário especializado na resolução de conflitos trabalhistas.
Em discurso proferido no dia 1º de maio de 1941, Vargas declarou efetivamente instalada a Justiça do Trabalho, cuja estrutura, à época, encontrava-se vinculada administrativamente ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
Já em 1946, contudo, a Justiça do Trabalho deixou de funcionar dentro da esfera administrativa do Ministério do Trabalho (órgão do Poder Executivo) e passou a integrar a estrutura do Poder Judiciário, tornando-se, portanto, independente.
De lá para cá, essa Justiça especializada muito cresceu, evoluiu e se estruturou. Hoje, a Justiça do Trabalho é reconhecida como o ramo do Judiciário com os maiores índices de produtividade, informatização e conciliação. A busca pela conciliação, aliás, é um dos aspectos fundamentais do processo de resolução de conflitos trabalhistas e tal elemento caracteriza a Justiça do Trabalho desde sua criação e ao longo de toda a sua história. Há tribunais trabalhistas que resolvem praticamente a metade das novas ações ajuizadas através de conciliação, como é o caso do TRT do Paraná (índice de 48,6% de conciliação na fase de conhecimento em 2017).
A Justiça do Trabalho é o único ramo do Judiciário a ter 100% dos novos processos já sendo ajuizados de forma eletrônica não apenas em suas unidades judiciárias de 1º grau (Varas do Trabalho), mas também em seu órgão de cúpula (TST). No 2º grau, esse índice já está bem próximo de atingir também os 100%.
Isso contribui para um outro aspecto que igualmente caracteriza a Justiça do Trabalho: a celeridade na prestação jurisdicional. E não poderia ser diferente, uma vez que os interesses em disputa guardam direta relação com a satisfação de créditos alimentares, efetivação de direitos sociais, dignidade humana e justo equilíbrio dos conflitos entre capital e trabalho.
No Brasil, um almejante ao cargo de Juiz do Trabalho necessita ter, no mínimo, 3 (três) anos de prática jurídica já depois de formado em Direito (seja atuando como advogado, servidor público ou em outra função ou cargo que exija a utilização efetiva de conhecimentos jurídicos) e o ingresso na carreira depende da aprovação numa série de exames realizados durante um longo processo público de seleção (prova objetiva, prova discursiva, prova de sentença, sindicância de vida pregressa, exames médicos e psicotécnico, prova oral e prova de títulos).
O ingresso na carreira depende de anos de estudo e preparação específica direcionada ao trato de questões trabalhistas, além de conhecimento técnico-especializado sobretudo em matérias como Direito do Trabalho, Processo do Trabalho, Processo Civil, Direito Constitucional, Direitos Humanos e Direito Previdenciário.
Após a posse, o Juiz do Trabalho é submetido a longos cursos de formação inicial, sendo um na ENAMAT (TST) e outro na Escola Regional de Magistratura existente em cada um dos TRTs. Ao longo da carreira, o Juiz do Trabalho precisa também realizar extensos cursos (mínimo de 30 horas por semestre), o que garante aperfeiçoamento técnico e atualização constante.
A Justiça do Trabalho conta, ainda, com quadro de pessoal altamente especializado: servidores aprovados em concursos públicos que incluem provas de Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e outras disciplinas. Os advogados e promotores (Procuradores do Trabalho) atuantes na Justiça do Trabalho possuem igualmente conhecimento técnico e prático em questões trabalhistas.
O trato da matéria trabalhista é, sem dúvidas, melhor realizado com especialização. Brilhantes advogados da área cível, tributária ou criminal, por exemplo, habitualmente sentem dificuldades de adaptação ao tentarem militar na área trabalhista.
Face à necessidade de maior especialização e familiaridade no trato dessas questões, o Estado brasileiro historicamente optou – assim como vários outros – por possuir cortes e magistrados especializados na resolução de conflitos advindos das relações de trabalho. E essas cortes vêm desempenhando um nobre papel, destacando-se como o ramo mais célere, produtivo, informatizado, eficiente e conciliatório de todo o Judiciário nacional.
Ao longo de quase oito décadas, a Justiça do Trabalho tem não apenas realizado a composição das demandas que lhe são submetidas, mas também contribuído para a pacificação da sociedade brasileira.
Ao possibilitar a amenização de conflitos entre classes com interesses divergentes, essa Justiça especializada sem dúvida teve sua parcela de contribuição para o desenvolvimento sócio-econômico do país e para a estabilidade de suas instituições. Abriu, ainda, caminho para a própria expansão e evolução do capitalismo industrial brasileiro.
Desde a criação dos primeiros órgãos judiciais especializados na resolução de conflitos trabalhistas, apesar de todas as dificuldades e obstáculos (já superados e ainda por superar), a economia brasileira (antes fundada quase que exclusivamente no cultivo de gêneros primários para exportação) apresentou considerável evolução e chegou a ocupar recentemente o posto de 6ª maior economia do mundo.
Infelizmente, vem ganhando força um discurso com viés economicista, que tenta inferiorizar o papel desempenhado pela Justiça do Trabalho mediante argumentos puramente contábeis, que enfatizam apenas as cifras referentes ao seu custo. Com esses argumentos, alguns têm pregado a extinção da Justiça do Trabalho ou sua incorporação à Justiça Federal. Tal discurso, contudo, desconsidera as funções precípuas dessa Justiça especializada, que não apenas soluciona conflitos de interesses, mas também assegura proteção à dignidade humana e promove a efetivação de direitos sociais relacionados à garantia de um patamar civilizatório mínimo a todos os cidadãos.
Essa análise baseada exclusivamente no exame de cifras distribuídas aos trabalhadores em confronto com as despesas orçamentárias da Justiça do Trabalho esquece, por completo, que existem provimentos jurisdicionais muito além das condenações em obrigações de pagar quantia certa.
Existe, da mesma forma, distribuição de justiça quando se julga improcedente uma demanda absolutamente infundada ou quando se concedem tutelas específicas, por exemplo, para determinar a reintegração de um trabalhador dispensado de forma discriminatória, impedir greves ou paralisações abusivas, ou fazer cessar atividade que coloque em risco a vida ou a integridade física de seres humanos (provimentos cuja expressão não pode propriamente ser materializada em cifras). Há distribuição de justiça, ainda, nas providências declaratórias e também nas constitutivas.
A Justiça do Trabalho desempenha papel igualmente relevante em questões diretamente relacionadas à preservação da dignidade humana, ao proferir decisões relativas ao combate do trabalho escravo, inclusão de pessoas com deficiência, erradicação do trabalho infantil e do tráfico de pessoas, garantia de segurança e saúde no ambiente de trabalho, prevenção de acidentes, combate ao trabalho em condições degradantes e à discriminação (de gênero, por idade, opção sexual, religião, origem etc), entre muitos outros exemplos.
Nas palavras dos colegas juízes do trabalho Rodrigo Trindade e Daniel Nonohay,
Vamos perguntar às crianças com infâncias abreviadas nas carvoarias de Mato Grosso quanto elas acham que deve custar impedir, reprovar e condenar exploração de trabalho infantil.
Vamos perguntar aos escravos contemporâneos das confecções terceirizadas de São Paulo qual valor que acham que deve ser investido no resgate de suas famílias da escravidão.
Vamos perguntar aos mutilados das indústrias moveleiras do sul do Brasil quanto eles acreditam que o Estado deveria ter gasto para evitar o corte da sua mão.
A Justiça não é uma empresa. Não estamos falando de serviços empresariais; tratamos aqui de pessoas e valores de convivência, como polícia, vacinação pública, assistência a menores abandonados.
Não há sociedade organizada sem jurisdição. (TRINDADE; NONOHAY, 2018)
A existência de uma Justiça do Trabalho forte, autônoma e independente é importante não apenas para a classe trabalhadora, mas também para os bons empresários, cujos concorrentes que sonegam direitos trabalhistas não poderão competir em situação desleal de vantagem.
Se nosso país adotou opção histórica pela existência de cortes judiciais especializadas no trato da matéria trabalhista, e se este ramo tem oferecido respostas, em geral, satisfatórias à população, prestando serviço público relevante e se destacando – ano após ano – como o ramo mais célere, produtivo, eficiente e conciliatório do Poder Judiciário, entendemos que deslocar o julgamento da matéria trabalhista para outro ramo importaria inegável retrocesso, o que não significa que não devamos pensar e investir no aperfeiçoamentos da organização e estrutura da Justiça do Trabalho.
Concordamos com as sábias palavras do saudoso Professor Amauri Mascaro Nascimento, para quem “o que de melhor se poderá fazer é aperfeiçoar a jurisdição laboral para que continue a cumprir os seus fins. Suprimi-la seria retrocesso. Cumpre valorizá-la e reordená-la numa perspectiva de modernidade adequada à realidade contemporânea” (NASCIMENTO, 1997, p. 1025).
Fontes:
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Conceito e modelos de jurisdição trabalhista. Revista LTr, v. 61, n. 8, p. 1017-1025, ago. 1997.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Coordenadoria de Estatística e Pesquisa. Relatório geral da Justiça do Trabalho 2018. Brasília: TST, 2018.
TRINDADE, Rodrigo; NONOHAY, Daniel. A Justiça do Trabalho deve dar lucro? A contabilidade judicial daquilo que o dinheiro não compra. Disponível em: http://revisaotrabalhista.net.br/2018/07/07/a-justica-do-trabalho-deve-dar-lucro-a-contabilidade-judicial-daquilo-que-o-dinheiro-nao-compra-05-8-2017/. Acesso em 01 abr. 2019.