* por Fábio Zambitte Ibrahim, professor adjunto de Direito Financeiro da UERJ e professor titular de Direito Previdenciário e Tributário do IBMEC; e João Renda Leal Fernandes, Visiting Researcher na Harvard Law School (2019-2020), Mestre e Doutorando em Direito pela UERJ, Juiz do Trabalho no TRT/RJ.

1. A realidade normativa norte-americana
O conceito de fringe benefits é tradicional no sistema remuneratório norte-americano. Basicamente, rotula toda e qualquer vantagem fornecida a empregados em virtude da existência do contrato de trabalho, de forma obrigatória ou mesmo voluntária [1]. Com algumas exceções, especialmente nas situações de benesses necessárias ao trabalho ou, ainda, de valor pequeno, são todas incluídas na base-de-cálculo da contribuição previdenciária prevista no Federal Insurance Contributions Act (FICA).
As contribuições previdenciárias, no modelo norte-americano, eram originariamente estabelecidas no Título VIII do Social Security Act de 1935. Em 1939, o tema passou a ser tratado no âmbito da legislação do imposto de renda (Internal Revenue Code) e, como forma de distinguir as imposições fiscais, foi renomeado para Federal Insurance Contributions Act (FICA) [2].
Diante dessa realidade normativa – e pela inexistência de uma competência constitucionalmente prevista delimitando a incidência – a norma fiscal norte-americana, de forma geral, aproximou a incidência das contribuições previdenciárias à dinâmica do imposto de renda.
2. Aspectos preliminares da realidade nacional
Embora não raramente tenhamos notícias de tentativas veladas de adotar, no Brasil, lógica similar ao modelo norte-americano, é imperioso reconhecer que há limitações normativas relevantes. De início, no modelo nacional, signatário da civil law, há previsão detalhada na Constituição de 1988 sobre o espectro de tributação dos entes federados. No caso das contribuições previdenciárias, de competência privativa da União [3], a previsão normativa é expressa ao delimitar a tributação aos rendimentos do trabalho, somente (art. 195, I, “a”, CF/88).
Ou seja, na dinâmica nacional, enquanto a tributação da renda alcança quaisquer acréscimos patrimoniais, de renda, capital ou proventos de qualquer natureza, a contribuição previdenciária é relativa a rendimentos do trabalho. A delimitação é historicamente justificável, pois modelos de seguro social possuíam especial foco nas retribuições pecuniárias contraprestacionais e habituais, as quais, intuitivamente, seriam objeto de substituição pelo benefício futuro.
Tendo em vista a realidade contemporânea de maior solidariedade dos modelos protetivos, em algum temperamento dos modelos clássicos de seguro social, não é irrazoável defender um alargamento da incidência previdenciária nacional a quaisquer rendimentos. Todavia, não é essa a nossa realidade normativa. A delimitação constitucional é ainda expressa nesse sentido. Essa premissa é importante para afastarmos a dinâmica da tributação dos fringe benefits no Brasil e nos EUA.
3. A tributação de fringe benefits no Brasil – A questão dos prêmios
Dentre as diversas modalidades de fringe benefits no Brasil, uma bastante atual é a relacionada aos prêmios. O oferecimento de recompensas ou retribuições a empregados que apresentaram desempenho satisfatório por intermédio da entrega de prêmios (pagos em dinheiro, bens de valor real, utilidades, benefícios ou serviços) consiste em prática difundida ao redor de todo o mundo capitalista ocidental, o que incluiu, por certo, os dois países mais populosos das Américas: Estados Unidos e Brasil.
No Brasil, a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) passou a estabelecer que prêmios (…) não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário (art. 457, §2º, da CLT), ao passo em que definiu expressamente prêmios como liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades (art. 457, § 4º, CLT).
No aspecto previdenciário, ao incluir uma alínea ‘z’ ao art. 28, §9º, da Lei nº 8.212/91, a Reforma Trabalhista veio também expressamente afirmar que os prêmios não integram o salário-de-contribuição, ou seja, não sofrem incidência de contribuições previdenciárias.
Recentemente, em virtude dessas alterações legislativas, a Receita Federal publicou uma solução de consulta relacionada ao pagamento de prêmios a trabalhadores empregados (Solução de Consulta COSIT nº 151, de 14 de maio de 2019), com o seguinte teor:
“Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA. PRÊMIO POR DESEMPENHO SUPERIOR. REFORMA TRABALHISTA.
A partir de 11 de novembro de 2017, não integra a base de cálculo, para fins de incidência das contribuições previdenciárias, o prêmio decorrente de liberalidade concedida pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.
No período compreendido entre 14 de novembro de 2017 e 22 de abril de 2018, o prêmio por desempenho superior, para ser excluído da base de cálculo das contribuições previdenciárias, não pode exceder ao limite máximo de dois pagamentos ao ano. [4]
Os prêmios excluídos da incidência das contribuições previdenciárias: (1) são aqueles pagos, exclusivamente, a segurados empregados, de forma individual ou coletiva, não alcançando os valores pagos aos segurados contribuintes individuais; (2) não se restringem a valores em dinheiro, podendo ser pagos em forma de bens ou de serviços; (3) não poderão decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso, hipótese em que restaria descaracterizada a liberalidade do empregador; e (4) devem decorrer de desempenho superior ao ordinariamente esperado, de forma que o empregador deverá comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado. (…)”
Verifica-se, portanto, que a legislação brasileira passou a atribuir, em regra, natureza indenizatória ao prêmio pago a segurados empregados em razão de seu bom desempenho no trabalho, independentemente de tal pagamento ocorrer em dinheiro, serviços ou bens [5]. Caso os prêmios estejam sendo pagos de forma não eventual, como verdadeira contraprestação pelo trabalho prestado, haverá, contudo, a possibilidade de questionamento quanto à natureza de tais parcelas, uma vez que estas não podem se prestar à perpetração de fraudes (art. 9º da CLT) ou ao pagamento disfarçado de salários [6].
4. A tributação dos prêmios e demais fringe benefits, de acordo com o IRC norte-americano
Nos EUA, país curiosamente tido por muitos como um suposto “paraíso” da liberdade econômica, verifica-se que a legislação federal tributária utiliza um conceito mais abrangente de “prêmios” (comumente referidos como prizes ou awards) e confere tratamento fiscal bem mais rigoroso e menos benevolente em tal matéria.
O mais importante diploma legislativo federal em matéria tributária é o Internal Revenue Code (IRC), uma compilação de leis que regulamentam tributos federais em espécie, como o imposto de renda federal, a contribuição previdenciária federal designada pela sigla FICA (Federal Insurance Contribution Act tax)[7] e a contribuição federal devida exclusivamente pelo empregador para financiamento do benefício de seguro-desemprego, correspondente à sigla FUTA (Federal Unemployment Tax). A fiscalização quanto à arrecadação dos tributos federais fica a cargo do IRS (Internal Revenue Service), que funciona como a Receita Federal norte-americana.
Diferentemente do Brasil, nos EUA os prêmios pagos em dinheiro aos empregados são incorporados à base previdenciária, derivada da reforma de 1939. São, assim, tributáveis e integram a base de cálculo tanto do imposto de renda federal, quanto da contribuição previdenciária federal (FICA) e da contribuição federal ao seguro-desemprego (FUTA).
De acordo com a Seção 61 do IRC, em regra todas as formas de rendimentos estarão sujeitas à tributação federal, exceto se houver uma previsão específica de exclusão naquele mesmo código tributário. Embora a norma constante da Seção 102, item (a), preveja que a renda bruta (gross income) não inclui o valor da propriedade adquirida por intermédio de presente ou doação (gift), o item (c) (1) da mesma seção contém ressalva no sentido de que o mencionado item (a) não exclui da receita bruta qualquer quantia transferida pelo empregador para ou em benefício de um empregado.
Ou seja, em outras palavras, benefício concedido pelo empregador ao empregado é considerado, em regra, uma contraprestação pelo trabalho produzido (portanto, salário), exceto se a própria lei tributária trouxer alguma disposição em sentido diverso.
A Publicação nº 525 de 2018, do IRS, que versa sobre receitas tributáveis e não tributáveis, deixa claro que prêmios ou bônus pagos em dinheiro pelo empregador em decorrência de boas sugestões ou do bom trabalho apresentado pelo empregado possuem, em regra, natureza salarial. Consoante tal publicação, os prêmios (awards) recebidos como forma de reconhecimento por trabalho excepcional integram a renda bruta tributável e devem ser declarados no formulário W-2 sob tal qualidade. Isso inclui também, por exemplo, prêmios como uma viagem de férias oferecida a título de recompensa pelo atingimento de metas de vendas. Ainda segundo o documento, se o prêmio consistir em bens ou serviços, deverá ser declarado seu respectivo FMV (Fair Market Value), consistente na estipulação de um valor justo de mercado.
4.1. Fringe benefits não tributáveis
É certo, contudo, que o IRC prevê efetivamente a não tributação de alguns benefícios consistentes em bens ou serviços oferecidos – a título de prêmio ou a qualquer outro título – pelo empregador a seus empregados. A Seção 132, por exemplo, exclui da receita bruta alguns benefícios adicionais (fringe benefits), que não sofrem, via de regra, a incidência de imposto de renda federal, FICA ou FUTA. Vejamos exemplificativamente os seguintes:
– No-additional-cost-services (serviços que não acarretam custos adicionais ao empregador), inerentes à sua atividade e que podem ser oferecidos a seus empregados (por exemplo, o oferecimento de assentos vagos em uma aeronave comercial aos empregados da própria companhia aérea);
– Qualified employee discounts (descontos oferecidos aos empregados para a aquisição de produtos comercializados pelo próprio empregador);
– Working condition fringe benefits (bens ou serviços necessários para a prestação do próprio trabalho, tais como computadores, uniformes, assinaturas de revistas, carros, cursos e treinamentos);
– De minimis fringe benefits (bens ou serviços de baixo valor agregado, como a digitação de documentos de cunho particular por uma secretária da empresa; uso eventual da máquina de xerox para fins pessoais; flores, frutas e livros; eventuais coquetéis, refeições em grupo ou confraternizações custeadas pelo empregador; eventuais valores para jantar simples ou táxi num dia específico em que foi necessário realizar horas extras; presentes de baixo valor oferecidos em aniversários ou datas comemorativas; eventuais entradas para teatro ou competições esportivas; café, donuts e bebidas leves no local de trabalho; chamadas telefônicas esporádicas mediante uso do aparelho da empresa para fins pessoais);
– Qualified transportation fringe (oferecimento de transporte pelo empregador, através de vans, veículos da própria empresa ou de quem lhe preste serviços; passes para uso do sistema público de transportes; estacionamento oferecido pelo empregador etc.);
– Qualified moving expense reimbursement, relativo ao reembolso de custos de mudanças; e
– Qualified retirement planning services, como serviços de informação e aconselhamento a respeito dos programas de aposentadoria da empresa.
Há, no entanto, uma série de requisitos para que esses fringe benefits possam ser excluídos da renda bruta, a justificar a não incidência do imposto de renda federal, FICA ou FUTA [8]. O foco principal igualmente é evitar que tais benefícios possam importar pagamento disfarçado de salário (disguised pay).
Atualmente, as regras sobre tributação de fringe benefits encontram-se melhor detalhadas na Publicação IRS nº 525 de 2018 e na Publicação IRS nº 15-B de 2019 (Employer’s Tax Guide to Fringe Benefits).
4.2. Outras hipóteses de não-incidência: prêmios por feitos e realizações (employee achievement awards) consistentes em objetos de valor real (item of tangible personal property)
Merece destaque também a exceção não tributável prevista na Seção 74, item (c), relativa ao prêmio por feitos ou realizações (employee achievement award) consistente no oferecimento de um objeto de valor real, tal como um relógio ou um troféu. De acordo com as definições constantes da Seção 274 (j) (3) (A), esse objeto deve consistir numa propriedade pessoal tangível (item of tangible personal property), oferecido em virtude do tempo de serviço, realizações relacionadas à segurança, premiação como parte de uma apresentação destacada do empregado ou um objeto concedido sob condições e circunstâncias que não configurem pagamento disfarçado de salário. A norma esclarece também que essa exceção à regra geral de tributação, somente aplicável a objetos de valor real (tangible personal property), não deve incluir dinheiro, equivalentes a dinheiro, cartões de presente, cupons de presente, certificados de presente, férias, refeições, ingressos para teatro ou eventos esportivos, ações, títulos, valores mobiliários em geral e outros itens semelhantes.
Há, ainda, uma regra que restringe o valor não tributável desses objetos ao custo pago pelo empregador. Essa parcela não tributável está limitada ao valor máximo de US$1.600 por ano para os prêmios quitados dentro de planos qualificados de recompensas (qualified plan awards) ou US$400, quando não há um plano oficial e qualificado de recompensas, consoante Seção 274 (j) (3) (B) do IRC[9]. Os valores que excederem tais limites são considerados receita bruta tributável.
Por fim, a lei federal norte-americana também afirma que essa exceção legal não exclui de tributação os “prêmios” por tempo de serviço recebidos por períodos inferiores a 5 anos, ou caso o empregado já tenha recebido algum “prêmio” por tempo de serviço durante o mesmo ano ou nos 4 anos anteriores. A exceção não tributável também não se aplica aos prêmios por desempenho em segurança caso o trabalhador seja um gerente ou administrador, ou se mais de 10% dos empregados elegíveis já tiverem recebido prêmios de desempenho em segurança durante o ano, consoante o Seção 274 (j) (4) (B) e (C) do IRC.
As regras sobre tributação de employee achievement awards encontram-se também detalhadas na Publicação IRS nº 525 de 2018 e na Publicação IRS nº 15-B de 2019.
5. Conclusões
Numa perspectiva comparada, verifica-se claramente que a legislação federal norte-americana (IRC) e o IRS tratam com maior rigor a tributação dos prêmios pagos a empregados, especialmente aqueles quitados em dinheiro, os quais, em regra, integram a base de cálculo tanto do imposto de renda federal, quanto da contribuição previdenciária federal (FICA) e da contribuição federal ao seguro-desemprego (FUTA).
Por este motivo, há ampla discussão quanto às exceções não tributáveis de prêmios que consistam no oferecimento de determinados bens ou serviços, assim como em relação aos requisitos a justificar o seu enquadramento em cada uma das exceções legais existentes, como no caso dos fringe benefits e dos employee achievement awards. Muito embora o rigor do sistema norte-americano seja patente, sua viabilidade legal decorre da ausência de delimitação constitucional da competência tributária e, ainda, da aproximação legislativa da regulamentação do imposto de renda ao financiamento da previdência social.
Notas:
[1] Sobre o tema, ver Internal Revenue Service, Publication 15-B (Employer’s Tax Guide to Fringe Benefits) Cat. No. 29744N, 2019.
[2] Adicionalmente, há, ainda, o Federal Unemployment Tax Act – FUTA voltado à cobertura do seguro desemprego.
[3] Com exceção das contribuições de servidores estaduais e municipais.
[4] A ressalva referente ao período de 14/11/2017 a 22/04/2018 deve-se à vigência da MP nº 808/2017, que acabou rejeitada de forma tácita e perdeu eficácia em virtude do decurso de prazo sem que houvesse apreciação pelo Congresso Nacional.
[5] Não é objeto do presente artigo adentrar ao mérito da solução de consulta, em especial, o questionável item que demanda o prêmio não decorrer “de obrigação legal ou de ajuste expresso”. A proposta aqui é unicamente confrontar as lógicas do modelo nacional e do norte-americano.
[6] Sobre o tema, é de se recordar o teor da OJ Transitória nº 5, da SDI-I do TST, segundo a qual o valor das bonificações de assiduidade e produtividade, pago semanalmente e em caráter permanente pela empresa Servita, visando incentivar o melhor rendimento dos empregados, possui natureza salarial, repercutindo no cálculo do repouso semanal remunerado.
[7] A FICA consiste na contribuição previdenciária prevista no Social Security Act, atualmente com cota-parte de 6,2% devida pelo empregado e 6,2% pelo empregador.
[8] Uma análise pormenorizada desses requisitos pode ser encontrada em BIKOFF, Lauren et. al. U.S. Master Employee Benefits Guide, 2019. Riverwoods, IL: Wolters Kluwer, p. 805-837.
[9] Sobre o tema, v. CANAN, Michael J; MITCHELL, William D. Employee Fringe and Welfare Benefit Plans. Eagan, MN: Thomson Reuters/West, 2012.