* por Felipe Bernardes Rodrigues, Juiz do Trabalho no TRT-RJ, professor e palestrante

A Medida Provisória nº 905/2019 (“Contrato de Trabalho Verde Amarelo”), entre várias inovações legislativas, empreendeu modificações ao §1º do art. 39, da CLT, e acrescentou o §3º ao mesmo dispositivo. [1] Além disso, alterou os §§3º e 5º do art. 29. [2]
Os dispositivos passam a prever competência dos auditores-fiscais do trabalho para, nas hipóteses em que não assinada a CTPS pelo empregador, lavrar auto de infração e lançar as anotações cabíveis no sistema eletrônico competente, na forma a ser regulamentada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. Ademais, de acordo com a MP, na hipótese de ser reconhecida a existência da relação de emprego, o Juiz do Trabalho comunicará a autoridade competente para que proceda ao lançamento das anotações e adote as providências necessárias para a aplicação da multa cabível, sendo que o Ministério da Economia poderá desenvolver sistema eletrônico por meio do qual a Justiça do Trabalho fará o lançamento das referidas anotações.
Os dispositivos comportam duas interpretações possíveis:
(i) a Justiça do Trabalho estaria impossibilitada de proceder às anotações na CTPS dos autores de processos e de determinar o cumprimento de tal obrigação de fazer pelos empregadores, até que o Ministério da Economia desenvolvesse o sistema eletrônico competente;
(ii) a competência dos auditores-fiscais do trabalho para providenciar as anotações pertinentes na CTPS dos autores de reclamações trabalhistas não se sobrepõe nem exclui a competência da Justiça do Trabalho para determinar o cumprimento da obrigação de fazer pelos empregadores ou providenciar o resultado prático equivalente, qual seja, realização das anotações pela Secretaria da Vara.
A primeira interpretação é manifestamente inconstitucional pelos seguintes motivos: (i) medida provisória não pode versar sobre tema processual (CF, art. 62, §1º, I, b) [3], e é exatamente o que acontece no caso, pois os mecanismos utilizados para anotação de CTPS dizem respeito ao cumprimento de sentenças que estabelecem obrigações de fazer, tema nitidamente processual regulamentado pela CLT e pelo CPC; (ii) violação à cláusula pétrea da separação de Poderes: a atuação jurisidicional não pode ser subordinada à função administrativa, de modo que o Ministério da Economia não pode, validamente, regular de que forma a Justiça do Trabalho deveria providenciar o cumprimento das sentenças que imponham obrigação de fazer; (iii) violação ao princípio constitucional da eficiência (CF, art. 37, caput), por ser muito mais simples, econômico e eficaz que o próprio órgão jurisdicional determine a anotação da CTPS pelo empregador, ou pela Secretaria da Vara, em detrimento da remessa de comunicação burocrática a outro órgão (Ministério da Economia), com desperdício de recursos materiais e humanos.
Assim sendo, necessário proceder à interpretação conforme à Constituição, de modo que as referidas inovações da MP 905/2019 trazem mecanismo adicional para realização de anotações na CTPS de empregados. Dessa forma, caso não exista processo judicial, e o auditor-fiscal do trabalho verifique a existência da infração, passa a ter o poder-dever de proceder, de ofício, às anotações pertinentes. Contudo, se houver processo judicial em curso na Justiça do Trabalho, ficará a critério do Juiz do Trabalho determinar o cumprimento da obrigação de fazer pelo empregador, pela Secretaria da Vara, ou pelo auditor-fiscal do trabalho. Dessa forma, é facultativo – e não obrigatório, como poderia fazer supor a nova redação do art. 39, §3º, da CLT – ao Juiz do Trabalho comunicar à autoridade administrativa para realização das anotações. A comunicação deve ser feita obrigatoriamente apenas no que diz respeito à lavratura do auto de infração pela autoridade administrativa.
Contudo, para que a Secretaria da Vara do Trabalho possa proceder às anotações na CTPS, é imperioso que os órgãos jurisdicionais tenham acesso ao sistema informatizado da chamada “Carteira de Trabalho Digital”. De fato, a partir da vigência da Lei n. 13.874/2019 (“Liberdade Econômica”) e da Portaria n. 1.065, de 23/09/2019, do Ministério da Economia, passa a ser obrigatória a CTPS Digital para todos os novos contratos de trabalho. A Carteira de Trabalho em meio físico poderá ser utilizada, em caráter excepcional, apenas enquanto o empregador não for obrigado ao uso do eSocial. Na prática, enquanto não for concedido tal acesso aos órgãos da Justiça do Trabalho, e em se tratando de contrato de trabalho registrado em CTPS Digital, os juízes do trabalho terão duas opções: (i) determinar o cumprimento da obrigação pelo empregador, com imposição de multa (astreintes) para a hipótese de descumprimento; ou (ii) determinar que a providência seja realizada pelo órgão administrativo competente (Ministério da Economia).
Referências:
[1] Art. 29. (…)
§3º A falta de cumprimento pelo empregador do disposto neste artigo acarretará a lavratura do auto de infração pelo Auditor Fiscal do Trabalho, que deverá, de ofício, lançar as anotações no sistema eletrônico competente, na forma a ser regulamentada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. (…)
§5º O descumprimento do disposto no § 4º submeterá o empregador ao pagamento da multa a que se refere o inciso II do caput do art. 634-A.
[2] Art. 39. (…)
§1º Na hipótese de ser reconhecida a existência da relação de emprego, o Juiz do Trabalho comunicará a autoridade competente para que proceda ao lançamento das anotações e adote as providências necessárias para a aplicação da multa cabível, conforme previsto no § 3º do art. 29. (…)
§3º O Ministério da Economia poderá desenvolver sistema eletrônico por meio do qual a Justiça do Trabalho fará o lançamento das anotações de que trata o § 1º.
[3] §1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a: (…)
b) direito penal, processual penal e processual civil;