CARTEIRA VERDE E AMARELA: Uma nova reforma trabalhista

* por Yuri Rodrigo Batista do Nascimento e Isabelle Cordeiro Martins da Silva, alunos do 8º e 9º períodos, respectivamente, da Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro e integrantes do grupo de pesquisa UERJ Labuta

Imagem: Free Images

1.INTRODUÇÃO

O governo de Jair Bolsonaro, no dia 11 de novembro de 2019, trouxe o programa intitulado “Verde e Amarelo” ou como a mídia denominou “Carteira Verde e Amarela” através da edição da Medida Provisória nº 905/2019, com o intuito de criar 1,8 milhão de postos de trabalho para jovens de 18 a 29 anos. A MP altera vários artigos da CLT, que já se encontra amplamente modificada com a reforma trabalhista de 2017.

Com o número de desempregados atingindo números alarmantes, uma nova espécie de reforma trabalhista veio para flexibilizar ainda mais as garantias laborais, ao passo que beneficia os empregadores pretendendo, assim, transferir os riscos do empreendimento aos trabalhadores. Este é mais um duro golpe na garantia de uma vida digna para a população que já vem sofrendo com a situação econômica do país.

Cabe destacar que o Governo Federal, com a reforma trabalhista de 2017, prometia diminuir o número de desempregados, que se encontrava em 12,5% de brasileiros naquele período. Contudo, o que se viu foi uma redução quase nula, fechando em 12% de desempregados neste segundo trimestre do ano de 2019 e com um aumento estratosférico de trabalhadores sem carteira assinada, chegando a aproximadamente 40 milhões de pessoas nestas condições.

O que se pode observar com clareza é uma ofensiva cruel do governo neoliberal de Jair Bolsonaro aos trabalhadores que muito antes de tomar posse já havia declarado que os trabalhadores teriam que escolher entre direitos e empregos.

O partido Solidariedade, numa ação lúcida e acertada, protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 72601/2019 questionando este regime de contrato de trabalho que atenta contra os direitos dos trabalhadores dispostos no art. 7º da CF. Dentre as mudanças, pode-se destacar a redução da multa do FGTS de 40% para 20%, redução da alíquota mensal de contribuição do FGTS de 8% para 2%, entre outras alterações.

A seguir, destacaremos alguns pontos que a MP trouxe de novo para as relações de trabalho.

2.TRABALHADORES QUE SERÃO CONTRATADOS SÃO OS MENOS QUALIFICADOS

Com mais de um terço dos trabalhadores ganhando até 1 salário mínimo e meio, esta nova reforma trabalhista veio para atingir a população jovem, pobre e menos qualificada ao dispor que esta mudança valerá para trabalhadores que ganham até R$ 1.497,00.

Insta salientar que a realidade no mundo laboral brasileiro é dura para os que possuem até o ensino médio. Atualmente, são estes brasileiros que encontram mais dificuldades em uma ascensão social à classe média devido aos seus salários baixos, como também são os com mais chances de serem dispensados.

Esta categoria de empregados é aquela justamente que trabalha com o mínimo do mínimo para sobreviver e que infelizmente se sujeitará a essas condições para garantir sua subsistência.

3. SUBSTITUIÇÃO DO TRABALHADOR EFETIVO

Esta nova modalidade de contrato permite que o trabalhador permanente, que possui todos seus direitos trabalhistas, seja substituído por um com menos encargos para o empregador, o que é uma afronta direta à CLT, que dispõe sobre as hipóteses em que se permite a contratação de trabalhador com contrato por prazo determinado. Cria-se, desta forma, uma situação de insegurança e medo para o proletariado, visto que, apesar deste contrato servir apenas para novos postos de trabalho, há a possibilidade de uma distorção dessa previsão, a partir da demissão de funcionários antigos na ausência de uma fiscalização rigorosa.

4. CONTRIBUIÇÃO DO TRABALHADOR SOBRE O SEGURO DESEMPREGO

Primeiramente, é importante frisar que a indenização de 40% paga aos empregados em caso de dispensa sem justa causa não foi alterada pela MP 905. A mudança que o programa Verde e Amarelo institui, é a extinção das contribuições de 10% sobre o saldo do FGTS que era imposta aos patrões no caso de dispensa sem justa causa, conforme Art. 24 da MP 905: “Fica extinta a contribuição social a que se refere o art. 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001“. Essa contribuição à qual se refere o art. 24 é a contribuição de 10% sobre o saldo do FGTS que o empregador paga em caso de demissão sem justa causa, como podemos ver a seguir: 

Art. 1o Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas. (Vide: ADIN 2.556-2  e  ADIN 2.568-6(Vide Medida Provisória nº 905, de 2019)

Ora, bem sabemos que vivemos um período de grave crise financeira do Estado em que o Governo procura por todos os meios possíveis aumentar receitas e cortar despesas. Ao revogar tal contribuição em período de contingenciamento, como este pelo qual passamos no Brasil, o Executivo Federal passa a ter a responsabilidade de arrecadar por outros meios. Porém, a forma como o Estado procura arrecadar nos parece cada vez mais ser, despudoradamente, prejudicial à classe trabalhadora. A mesma MP que extingue a contribuição patronal no caso de despedida sem justa causa estabelece contribuição ao empregado que receber seguro-desemprego. Não fosse suficiente a situação de extrema fragilidade pela qual passa um trabalhador desempregado, terá ele que arcar com os custos de sua própria dispensa, contribuindo com uma alíquota de 7,5% durante os meses que receber seguro desemprego.

5. AUTORIZAÇÃO DO TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS

Tal previsão inserida pela MP 905/2019 configura verdadeira afronta ao dispositivo constitucional que concede aos trabalhadores o direito de repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos. É verdadeira tentativa de transformar os trabalhadores em simples mercadoria, como se não fossem seres dotados de vontade e de vida social e familiar. Já que essa previsão constitucional tem o intuito principal de conceder ao trabalhador muito mais que um dia a menos de trabalho, o que de igual forma aconteceria em qualquer dia da semana, mas sim proporcionar a ele, mesmo que de forma tão singela, a oportunidade de estar em convívio com seu núcleo familiar, pois não coincidentemente os filhos destes trabalhadores não têm aula aos finais de semana. Com isso, verificamos que há, mesmo nestas mudanças que à primeira vista parecem pequenas, verdadeiro ato atentatório à dignidade da pessoa humana, que, nas atuais circunstâncias em que nosso país se encontra, parece apenas lembrança de um passado recente.

6. AMPLIAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO PARA OS BANCÁRIOS

É de conhecimento de todos que os bancários são uma classe muito organizada e com forte atuação sindical, vide a greve em meados de junho deste ano contra a reforma da previdência.

Com muito sangue, suor e lágrimas, estes trabalhadores conseguiram garantias extraordinárias no ordenamento jurídico, uma delas é a jornada de 6 horas disposta na CLT.

Com a mudança trazida pela MP 905 este direito garantido com muita labuta é flexibilizado e a jornada ampliada, dispõe o art. 224 in verbis:

“A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, em casas bancárias e na Caixa Econômica Federal, para aqueles que operam exclusivamente no caixa, será de até seis horas diárias, perfazendo um total de trinta horas de trabalho por semana, podendo ser pactuada jornada superior, a qualquer tempo, nos termos do disposto no art. 58 desta Consolidação, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, hipóteses em que não se aplicará o disposto no § 2º.

§ 3º Para os demais empregados em bancos, em casas bancárias e na Caixa Econômica Federal, a jornada somente será considerada extraordinária após a oitava hora trabalhada”

Como se pode ver pela redação da MP, a jornada será ampliada para 8 horas, considerando como hora extra toda hora trabalhada após a oitava hora pelo bancário.

Com esta MP, a vontade dos banqueiros de perseguir maiores lucros é atendida e a saúde dos bancários, que já sofrem pela pressão do trabalho, é posta em cheque, como destaca o diretor da Secretaria de Saúde do Sindicato, Gilberto Leal: “Trabalhar mais, inclusive nos finais de semana, certamente vai aumentar o estresse da categoria e os índices de adoecimento

Insta salientar que, ao passo em que a classe trabalhadora vê seus direitos suprimidos, os banqueiros lucram como nunca somando R$ 59,7 bi de lucro acumulado no terceiro trimeste de 2019 dos principais bancos comerciais (Bradesco, Itaú, Santander e Banco do Brasil)

Diante do exposto, percebe-se que a agenda de Jair Bolsonaro é atender a interesses que não da classe trabalhadora, fazendo com que as condições de trabalho fiquem degradadas e as garantias mínimas dos operários sejam pulverizadas.

7. CONCLUSÃO

Por fim, é importante ressaltar que estas são apenas algumas das inúmeras mudanças impostas através da MP 905 do Governo de Jair Bolsonaro que sob o falso viés de geração de emprego e renda, acaba sendo mais uma medida que acaba por precarizar o trabalho no Brasil. De outro modo, o que se observa nos dispositivos acima mencionados é uma facilitação da dispensa sem justa causa, cumulado com a retirada de direitos básicos conquistados ao longo da história pelos trabalhadores brasileiros.

Autor: UERJ Labuta

O UERJ Labuta é um Grupo de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Direito da UERJ - Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. O conteúdo dos artigos publicados possui caráter acadêmico-informativo e reflete exclusivamente a opinião de seu(s) respectivo(s) autor(es).

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