As primeiras medidas trabalhistas de Joe Biden

Imagem: Joe Biden profere juramento de posse como presidente dos EUA, em 20/01/2021 (Wikimedia Commons)

Logo após sua posse, Joe Biden assinou importantes medidas em matéria trabalhista, dentre as quais se destacam as seguintes:

  • assinatura de ato executivo (executive order) para que a OSHAOccupational Safety and Health Administration (órgão federal responsável pela fiscalização do trabalho) expeça diretrizes atualizadas sobre proteção de trabalhadores em face da Covid-19, com autorização inclusive para a edição de Normas Regulamentadoras (NRs) de vigência temporária enquanto perdurar a situação de pandemia;
  • ato executivo com orientação para que o Department of Labor (equivalente ao Ministério do Trabalho) informe aos trabalhadores sobre a possibilidade de recusarem vagas de emprego em razão de fundado receio de exposição ao coronavírus, mantendo elegibilidade ao programa de seguro-desemprego;
  • ato executivo sobre uso obrigatório de máscaras por todos os empregados públicos federais em serviço e por visitantes de prédios e propriedades públicas federais, com recomendação para que mantenham distanciamento social e observem múltiplas precauções;
  • revogação de um ato executivo anterior que limitava a capacidade das agências federais e empresas terceirizadas de realizar treinamentos sobre diversidade junto a seus empregados, com instruções para que as agências revisem normas internas cujo conteúdo imponha entrave à igualdade de oportunidades;
  • um novo ato renovando o compromisso do Executivo federal de combater a discriminação no emprego com base em identidade de gênero e orientação sexual, em observância à recente decisão da Suprema Corte no caso Bostock v. Clayton Co (2020);
  • ato executivo no sentido de que as agências federais identifiquem trabalhadores que ganhem menos do que 15 dólares (cerca de R$80) por hora e desenvolvam programas para que referida quantia passe a ser utilizada como patamar remuneratório mínimo em seus quadros.

As mudanças em cargos de alto escalão se mostraram também significativas.

Em um e-mail enviado menos de 30 minutos após a posse, o governo solicitou a renúncia de Peter Robb, Conselheiro Geral na National Labor Relations Board – NLRB (agência que lida com conflitos de organização coletiva e sindicalização), dando-lhe prazo até às 17h do dia seguinte para renunciar ou ser exonerado. Em resposta, Robb anunciou que não renunciaria voluntariamente antes do término do mandato (em agosto), alegando que sua nomeação havia contado com a confirmação do Senado e que tal atitude prejudicaria a independência da agência. Biden prontamente o exonerou depois disso.

Em gesto simbólico, o busto de um antigo e celebrado líder sindical de origem latina (Cesar Chavez) passou a ocupar local de destaque na decoração do salão oval, logo atrás da mesa do presidente, em substituição ao busto de Andrew Jackson, que ficava antes no local. Um quadro com a imagem de Franklin Delano Roosevelt também passou a decorar o ambiente, assim como um busto da ex-Primeira Dama Eleanor Roosevelt.

A nomeação de Martin Walsh (um ex-líder sindical e atual prefeito de Boston) para o cargo de Secretary of Labor (equivalente a Ministro do Trabalho) deverá ser aprovada nas próximas semanas pelo Senado, que agora conta com maioria do Partido Democrata (51-50). 

Várias propostas de Joe Biden necessitarão de apoio parlamentar para serem aprovadas: elevação do salário-mínimo hora nacional para 15 dólares (o valor permanece inalterado em 7,25 dólares desde 2009 no âmbito federal), criação de lei prevendo o direito de afastamento remunerado ao trabalho por motivo de saúde própria ou de membro da família, reforma sindical com a previsão de sindicalização por ramo de atividade (sectoral bargaining, em substituição ao sistema de sindicalização “empresa por empresa” ainda vigente), um novo auxílio-econômico emergencial (stimulus check) no valor de 2 mil dólares durante a pandemia e a criação de um sistema universal de atendimento à saúde, entre múltiplas outras propostas.

Em todo caso, os primeiros atos executivos assinados pelo novo presidente já revelam uma drástica mudança de postura em relação à Era Trump.

Não há dúvidas de que a superação da atual crise econômica (a maior desde a Grande Depressão) demandará tempo e adoção de múltiplos programas governamentais.

Deve-se lembrar, aliás, que as principais leis trabalhistas até hoje vigentes nos EUA (NLRA e FLSA) foram editadas na década de 1930, como tentativa – à época, bem sucedida – de contribuir para a estabilização da economia e das relações de trabalho.

Enquanto a Suprema Corte conta com uma maioria consolidada de perfil ultraconservador, possivelmente significativas reformas trabalhistas serão propostas pelo governo Biden-Harris.

Ao menos no que se refere à regência das relações de trabalho, as primeiras medidas adotadas pelo novo presidente são um claro indicativo de que os próximos anos deverão ser bastante intensos e movimentados nos EUA, com promessa de fortes emoções…

É aguardar para ver!

* João Renda Leal Fernandes é mestre e doutorando em Direito pela UERJ, juiz do trabalho no TRT/RJ, autor do livro O “mito EUA”: um país sem direitos trabalhistas?. Foi Pesquisador Visitante na Harvard Law School entre fevereiro/2019 e junho/2020.

** Artigo publicado originalmente em em http://www.paulogala.com.br

Autor: João Renda Leal Fernandes

Mestre e Doutorando em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário no PPGD UERJ, Visiting Researcher na Harvard Law School (2019-2020), ex-bolsista da Japan Student Services Organization na Tokyo University of Foreign Studies, Juiz do Trabalho no TRT/RJ.

Nenhum pensamento

  1. Muito esclarecedor o artigo e chamou minha atenção cinco medidas: NRs temporárias para pandemia; revisão de normas sobre igualdade de oportunidades; criação de um sistema universal de atendimento a saúde (nosso parêntese – essa sabemos que lá custa caro); elevação do salário mínimo de 7,25 para 15 dólares; reforma sindical com sindicalização por ramo de atividade.

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