Home office e êxodo urbano: do sonho da cidade grande aos condomínios de trabalho remoto

* por Fernanda Cabral de Almeida e João Renda Leal Fernandes

Foto: Olena Sergienko (Unsplash)

No passado, países, estados e cidades tradicionalmente procuravam oferecer incentivos para a instalação de fábricas e empresas.

Nos últimos anos, contudo, temos assistido a um novo fenômeno de algumas localidades que buscam atrair trabalhadores remotos e até mesmo empreendimentos imobiliários destinados à construção de “apart offices” ou algo do gênero, em regiões menos agitadas.

Já em 2018, uma instituição de Tulsa, em Oklahoma (EUA), lançou o programa Tulsa Remote, que oferecia US$ 10 mil dólares em dinheiro (pagos ao longo do primeiro ano), aluguel subsidiado, mensalidade gratuita para utilização de um escritório compartilhado, entre outros benefícios a novos moradores dispostos a se instalar na cidade. O processo seletivo foi bastante concorrido, com cerca de dez mil inscritos, dos quais apenas 100 foram selecionados e 70 efetivamente se mudaram para Tulsa.

Mais recentemente, a empresa americana Common abriu processo seletivo para cidades dos EUA que quisessem hospedar complexos imobiliários de apartamentos-offices, referidos como hubs de trabalho remoto para jovens “nômades digitais”. Em troca, as cidades escolhidas receberão determinados incentivos de marketing e design oferecidos pela Common.

Nesta última semana, a empresa anunciou as cinco cidades que seguirão para a fase final do concurso: New Orleans (em Louisiana), Bentonville (Arkansas), Ogden (Utah), Rocky Mount (Carolina do Norte) e Rochester (NY). Embora bastante diferentes em aspectos geográficos e culturais, as cinco finalistas compartilham de um custo de vida mais acessível e do interesse de diversificar o perfil de empregos gerados na cidade. 

O impacto no mercado imobiliário vai além dessas inovações e passa também por mudanças nos atributos que muitos consumidores almejam ao procurar um imóvel. Itens até pouco tempo imprescindíveis e que eram responsáveis pelos altos preços do metro quadrado nas grandes metrópoles, como a proximidade com o centro, o número de vagas de estacionamento e a oferta de transporte público, passam a perder importância em comparação com o tamanho do imóvel, a quantidade de cômodos e as opções de lazer. O espaço, de alguma forma, começa a ter mais valor do que a localização.

Aqui mesmo no Brasil, já se observa um êxodo urbano, que tem levado à antecipação do sonho de se mudar para o campo ou para a praia na aposentadoria.

Com a diminuição da necessidade de comparecer fisicamente à empresa, já se percebe movimento de trabalhadores remotos com destino a cidades do interior, em busca de uma vida com menos trânsito, poluição, violência e com um custo mais baixo.[1] O aumento da procura por imóveis em cidades interioranas também é vantajoso para as economias locais, o que ganha especial relevância em nosso país, onde o consumo das famílias é responsável por 65% do PIB.

Para profissionais com altos salários, já é possível trabalhar em destinos turísticos inusitados, até mesmo no Caribe. A ilha de Barbados criou um visto especial para trabalhadores que ganhem no mínimo US$ 50 mil anuais e que possuam seguro-saúde próprio, permitindo residência por até um ano para realização de home office “no paraíso”.

Atrair moradores não constitui uma estratégia nova para muitas localidades. É bastante conhecida a migração de aposentados norte-americanos para o estado da Flórida, atraídos pelo clima quente, pelo baixo preço dos imóveis e pelas vantagens fiscais.

Como se sabe, toda crise gera novas demandas e oportunidades. A utilização de trabalho remoto, além de efeitos positivos e negativos sobre a classe trabalhadora, ao que tudo indica também terá consequências em outras esferas.

Em que pesem algumas possíveis vantagens, como a melhora na alimentação, a maior liberdade de escolha de horários e a ausência de deslocamentos, são muitos também os pontos negativos para os trabalhadores remotos, em especial quando coletivamente considerados. Entre os efeitos deletérios, por exemplo, o teletrabalho e o home office aumentam a individualização, ampliam o distanciamento entre os empregados e entre estes e suas organizações coletivas, tendem a eliminar a separação entre tempo de trabalho e tempo de lazer, e intensificam ainda mais o trabalho feminino, fator que pode agravar a já desigual divisão do trabalho por gênero e raça.[2]

A chance de morar em casas de campo ou destinos paradisíacos certamente também não constitui a realidade da maioria dos trabalhadores remotos, em especial no Brasil. Contudo, é inegável a disseminação dessa nova modalidade de trabalho[3], em especial após o início da pandemia de Covid-19.

Em decorrência desse novo fenômeno, começam a surgir consequências imobiliárias, demográficas e socioeconômicas, com uma clara tendência de que múltiplas cidades mudem o foco de seus projetos e investimentos, buscando atrair profissionais nômades desse novo mundo digitalizado.

Em trabalho remoto, um migrante digital Belchior talvez cantasse ser apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e vindo da cidade grande…

Notas:

[1] Pesquisa realizada pela empresa Ticket entre setembro e outubro de 2020 demonstra que 28% dos mil profissionais entrevistados consideram se mudar da cidade onde moram em razão do incremento do teletrabalho.

[2] Neste sentido, ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2020, p. 28-29.

[3] Dados do IBGE (PNAD Contínua e PNAD-Covid-19) revelam que o percentual de brasileiros no setor privado que trabalhavam de seus domicílios subiu de 6%, em 2019, para 9,1%, em novembro de 2020. O home office, em abril de 2020, já havia sido adotado por 46% das empresas brasileiras.

* Fernanda Cabral de Almeida é mestranda em Direito pela UERJ e servidora do TRT/RJ.

* João Renda Leal Fernandes é mestre e doutorando em Direito pela UERJ, juiz do trabalho no TRT/RJ.

Autor: UERJ Labuta

O UERJ Labuta é um Grupo de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Direito da UERJ - Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. O conteúdo dos artigos publicados possui caráter acadêmico-informativo e reflete exclusivamente a opinião de seu(s) respectivo(s) autor(es).

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