* Por Ana Beatriz Bueno de Jesus, Mestranda em Direito do Trabalho e Previdenciário (PPGD/UERJ; bolsista CAPES), e Fábio Zambitte Ibrahim, Doutor em Direito Público pela UERJ, Professor Adjunto de Direito Financeiro pela UERJ e Professor Titular de Direito Previdenciário e Tributário do IBMEC

Em busca do equilíbrio financeiro e atuarial, o modelo bismarckiano de proteção tem se expandido ao redor do globo. Nele, há uma tendência de adoção do financiamento por capitalização, no qual “cada pessoa forma um fundo (individual ou coletivo) em que são investidos pecúlios, destinados exclusivamente à sua aposentadoria”. Como consequência, a solidariedade, própria da Previdência Social é silenciada, com a finalidade de tentar elevar a economia, em detrimento da saúde, dignidade e bem-estar da população.
Nesse tocante, a OIT, em 2018, publicou um estudo intitulado “Reversão da Privatização de Previdência: Questões chaves”, no qual foi pontual que “de 1981 a 2014, trinta países privatizaram total ou parcialmente seus sistemas de previdência social obrigatórios”. É destacado, ainda, que “até 2018 dezoito países fizeram a re-reforma, revertendo total ou parcialmente a privatização da sua previdência social” – o que corresponde a 60% dos países – devido aos impactos sociais e negativos da privatização vivenciada.
No estudo, a OIT destacou as seguintes razões para o fracasso das privatizações: (I) a estagnação ou redução das taxas de cobertura, indo em sentido contrário à afirmação de que haveria um aumento na quantidade de contribuições; (II) “as prestações previdenciárias se deterioraram”, o que levou ao aumento “da pobreza na velhice, comprometendo o objetivo principal dos sistemas de previdência, que é a garantia de renda suficiente para a idade avançada”; (III) a elevação da desigualdade de renda e de gênero, uma vez “as pessoas de baixa renda ou que tiveram sua vida profissional interrompida – por exemplo, por causa da maternidade e das responsabilidades familiares – obtiveram poupanças muito reduzidas e consequentemente terminaram com aposentadorias baixas”.
Ainda, foram colocados os seguinte motivos: (IV) as pressões fiscais geradas pelos elevados custos de transição; (V) os altos custos administrativos; (VI) a existência de uma governança frágil, que apreendeu as “funções de regulação e supervisão”; (VII) a criação de oligopólios nos seguros privados, que retiraram quaisquer benefício que a concorrência poderia trazer; (VII) o setor financeiro que acabou por se beneficiar das aposentadorias dos indivíduos que contribuíram; (VIII) foi gerado um “efeito limitado nos mercados de capitais dos países em Desenvolvimento”; (IX) foram transferidos para as pessoas os “riscos demográficos e do mercado financeiro”; (X) a danificação do diálogo social [4].
O Chile, dentro de uma perspectiva neoliberal, pró-capital, foi o primeiro país a privatizar sua Previdência Social, a partir de um financiamento por capitalização, o qual não está entre os dezoito países que fizeram a “re-reforma” – destacados no estudo da OIT, anteriormente exposto. Essa privatização se deu em 1981, quando o sistema público coletivo de repartição, ligado ao modelo beveridgiano, foi substituído pela capitalização individual, administrada pelo setor privado, tendo sido criadas, para essa finalidade as AFP (Administradoras de Fondos de Pensiones). As AFP deviam ser “constituídas como sociedades anônimas e ter como objetivo exclusivo administrar os fundos de pensões e pagar as prestações”.
Além das instituições das AFP houve a preponderância do individualismo – o que é próprio de uma solidariedade de grupo, que não faz sentido em uma sociedade de riscos, uma vez que o Estado foi afastado. As razões para essa reforma previdenciária foram, em primeiro lugar, os “problemas de financiamento” devido aos déficits do sistema anterior, tendo em vista os gastos para que fosse mantido.
Contudo, com a privatização, ocorreu o aumento do déficit previdenciário, devido aos custos com a reforma, tendo alcançado quase 5% do PIB em 1984 [9]. Nesse contexto, como pontuado pela “Comisión Asesora Presidencial sobre El Sistema de Pesiones” “o custo total da transição da reforma estrutural é projetado em 2,7% do PIB em 2025 e não irá desaparecer até 2050, levando 70 anos para se extinguir”.
A segunda razão, que pode ser elencada, é o da “distribuição de renda”, uma vez que no sistema anterior havia uma predileção para os que detinham maior poder político, que, ao final, recebiam mais do que contribuíam. No entanto, com a capitalização individual, onde cada uma recebe aquilo que conseguiu juntar ao longo da vida, conforme observado no estudo da OIT – exposto anteriormente – ocorreu o aumento da desigualdade de renda, já que aqueles que recebem mais, acabam por ter uma poupança individual maior.
Nesse sentido, 79% dos aposentados chilenos têm recebido menos que um salário mínimo, estando 44% abaixo da linha da pobreza. Como pontuado na pesquisa da OIT, as desigualdades de gênero também aumentaram com 85% das mulheres recebendo menos que um salário mínimo ao passo que essa porcentagem cai para 72% no caso dos homens. Não é à toa que a população chilena tem se mostrado insatisfeita com a realidade previdenciária chilena. De acordo com a pesquisa realizada pela “Comisión Asesora Presidencial Sobre El Sistema De Pesiones”, 72% das pessoas entrevistadas afirmaram ser necessária uma mudança completa no sistema de pensões administrado pela AFP.
A terceira razão principal está nos princípios que originaram o sistema. Anteriormente, prevalecia uma concepção voltada para a coletividade, que acabava, segundo os defensores da reforma, por desestimular as contribuições previdenciárias. Assim, esse sistema individualista acabaria reduzindo o número de evasões ao sistema, aumentando a cobertura previdenciária.
Entretanto, a ausência de contribuições têm sido um sério problema para o sistema privado adotado no Chile. Cerca de 5,5% dos trabalhadores assalariados não contribuem, mesmo estando empregados, bem como 12,5% dos assalariados também não realizam pagamentos para a poupança individual, por não terem um contrato de trabalho. Ainda, em 1980 a cobertura previdenciária alcançava cerca de 75% dos trabalhadores, o que reduziu para 69,3% em 2003.
Como destacado por Mesa-Lago, os trabalhadores “autônomos ou por conta própria” têm tido uma cobertura muito inferior quando comparados com os “empregados ou assalariados”. Segundo o autor, em 2001 “o sistema chileno só cobria 5% dos autônomos” [1].
Assim, percebe-se que reformas previdenciárias que acentuam a individualidade em vez da coletividade tendem ao fracasso tanto econômico quanto protetivo. É nas constatações feitas posteriormente, que se observa que determinadas “políticas de desenvolvimento econômico” [2] – como a reforma previdenciária chilena, que possuía um viés econômico voltado para a redução do déficit previdenciário e a diminuição da evasão – não alcançaram o que haviam anunciado – como constatado nos dados empíricos analisados, produzidos pela OIT e pela “Comisión Asesora Presidencial Sobre El Sistema De Pesiones”, uma vez que houve o aumento do déficit, a evasão continuou sendo preocupante e a cobertura diminuiu – mostrando que essas políticas, na realidade, “estavam baseadas em ‘más ideais’” [3].
Notas:
[1] CARMELO, Mesa-Lago. As reformas de previdência na América Latina e seus impactos nos princípios de seguridade social. Tradução da Secretaria de Políticas de Previdência Social. Brasília: Ministério da Previdência Social, 2006, p. 54.
[2] CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas: neoliberalismo e ordem global. Trad. Pedro Jorgensen Jr. 2. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 28.
[3] Ibidem.
São tantos os absurdos em favor desse tal desenvolvimento econômico que não duvido nada que uma ideia como essa de capitalização seja implantada no Brasil, é só ver alguns pontos da contrarreforma trabalhista. Aliás, se não me engano, a capitalização foi proposta pelo nosso chicago boy. Parabéns pelo ótimo trabalho!
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